Os telhados sujos a
sobrevoar, arrastas no voo a asa partida. Acima da igreja as ondas do sino te
rejeitam ofegante até a areia da praia. O abraço consolador não podes mais
suportar pois amor estreita asa doente. Sais gritando pelos ares em horror,
sangue escoa pelos telhados. Foge, foge para o espanto da solidão, pousa na
rocha, estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou: tua asa mais inocente
foi atingida. Mas a cidade te fascina. Insistes lúgubre em brancura carregando
o que se tornou o mais precioso: a dor. Voas sobre os tetos em ronda de urubu.
A asa pesa pálida na noite descida em pálido pavor. Sobrevoas persistente a
cidade fortificada e escurecida — capela, ponte, cemitério, loja fechada,
parque morto, floresta adormecida, folha de jornal voa em rua esquecida. Que
silêncio na torre quadrada. Espreitas a fortaleza inalcançável. Não, não
desças, não finjas que não dói mais — é inútil negar asa partida. Arcanjo
abatido, não tens onde pousar. Foge, assombro, foge, ainda é tempo — desdobra
com esforço asa confrangida. Foge, dá à ferida a sua verdadeira medida e
mergulha tua asa no mar.
03/09/2015
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Uma grande escritora nacional! Gosto dela.
ResponderExcluirhttp://www.jj-jovemjornalista.com/
Realmente, uma das melhores.
ExcluirAté mais.
Oi, Ju!
ResponderExcluirAcredita que nunca li nada da Clarice Lispector?
Acho a escrita dela muito bonita, mas não sei se teria paciência para ler :/
Beijos,
www.naestradadafantasia.com
Olá, Mari!
ExcluirRecomendo bastante a Lispector. Por mais que não tenha paciência de início, quando você lê uma obra dela com todo o seu coração, percebe a beleza que existe por trás de cada frase.
Até mais.
Como não gostar da Clarice? Rainha. <3
ResponderExcluirwhoosthatgirrl.blogspot.com
Mesmo com jeito confuso e tudo, ela sempre se superava. ♥
ExcluirAté mais.
Jamais considerei a possibilidade de me deparar com anjo tendo asas partidas.
ResponderExcluirCadinho RoCo
Chega a ser melancólico. Me entristeci quando li, rs.
ExcluirAté mais.
Oi, Juliana! Tudo bem?
ResponderExcluirNunca li nada dessa autora :(
Tds falam tao bem. Ainda n tive a oportunidade!
Beijos
mundoemcartas.blogspot.com.br
Olá, Markus!
ExcluirLeia assim que possível. Ou comece procurando contos/ poesias em prosa da autora pela internet. Espero que goste.
Até mais.
Oi Juliana,
ResponderExcluirDigo que gosto do que Clarice escreve, mas até então nunca li nenhum livro.
Esse texto é sensacional!
Beijos, Tão doce e tão amarga.
Olá, Thamiris!
ExcluirEla escrevia muito bem. Procure por contos dela, são muito bons.
Até mais.
Olá, Juliana.
ResponderExcluirAinda não li nada completo da Lispector, mas pretendo. A intensidade presente em suas palavras, sempre me chocam e emocionam.
Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/
Olá, Renato!
ExcluirLeia sim, ela possuía uma intensidade arrebatadora.
Até mais.
Oiii, tudo bem??? Nunca li um livro sequer da Clarisse, mas um está para chegar, hehehhe
ResponderExcluirEspero gostar, por que apesar de achar bonita a forma como ela escreve, eu não tenho muita paciência, hehehhe, mas darei uma chance para conhecer sim. O livro que está chegando é A Hora da Verdade. Você já leu?
Beijooos
http://profissao-escritor.blogspot.com.br/
Oiie!
ExcluirAinda não li esse =/
Mas vai entrar pra lista! haha. Vou ficar de olho no seu blog pra ver se vai sair alguma resenha sobre ele, hehe.
Até mais.
Boa noite, princesa. Faltou somente separar o texto em versos como a autora fez, fica mais bonito e é um ato de respeito à imaginação criativa do autor. Bjo
ResponderExcluirA mágoa,
Os telhados sujos a sobrevoar
Arrastas no vôo a asa partida
Acima da igreja as ondas do sino
Te rejeitam ofegante na areia
O abraço não podes mais suportar
Amor estreita asa doente
Sais gritando pelos ares em horror
Sangue escoa pelos chaminés.
Foge foge para o espanto da solidão
Pousa na rocha
Estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou,
Tua asa mais inocente foi atingida
Mas a Cidade te fascina.
Insiste lúgubre em brancura
Carregando o que se tornou mais precioso.
Voas sobre os tetos em ronda de urubu
Asa pesa pálida na noite descida
Em pálido pavor
Sobrevoas persistente a Cidade Fortificada escurecida
Capela ponte cemitério loja fechada
Parque morto floresta adormecida,
Folha de jornal voa em rua esquecida.
Que silêncio na torre quadrada.
Espreitas a fortaleza inalcançada.
Não desças
Não finjas que não doi mais
Inútil negar asa partida.
Arcanjo abatido, não tens onde pousar.
Foge, assombro, inda é tempo,
Desdobra em esforço a sua medida
Mergulha tua asa no ar.
Publicado no Diário de São Paulo em 5/1/1947.
Foi mantida a grafia original.