03/09/2015

Entre aspas: A mágoa mortal - Clarice Lispector


 Os telhados sujos a sobrevoar, arrastas no voo a asa partida. Acima da igreja as ondas do sino te rejeitam ofegante até a areia da praia. O abraço consolador não podes mais suportar pois amor estreita asa doente. Sais gritando pelos ares em horror, sangue escoa pelos telhados. Foge, foge para o espanto da solidão, pousa na rocha, estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou: tua asa mais inocente foi atingida. Mas a cidade te fascina. Insistes lúgubre em brancura carregando o que se tornou o mais precioso: a dor. Voas sobre os tetos em ronda de urubu. A asa pesa pálida na noite descida em pálido pavor. Sobrevoas persistente a cidade fortificada e escurecida — capela, ponte, cemitério, loja fechada, parque morto, floresta adormecida, folha de jornal voa em rua esquecida. Que silêncio na torre quadrada. Espreitas a fortaleza inalcançável. Não, não desças, não finjas que não dói mais — é inútil negar asa partida. Arcanjo abatido, não tens onde pousar. Foge, assombro, foge, ainda é tempo — desdobra com esforço asa confrangida. Foge, dá à ferida a sua verdadeira medida e mergulha tua asa no mar.

17 comentários:

  1. Uma grande escritora nacional! Gosto dela.

    http://www.jj-jovemjornalista.com/

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  2. Oi, Ju!
    Acredita que nunca li nada da Clarice Lispector?
    Acho a escrita dela muito bonita, mas não sei se teria paciência para ler :/

    Beijos,
    www.naestradadafantasia.com

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    1. Olá, Mari!

      Recomendo bastante a Lispector. Por mais que não tenha paciência de início, quando você lê uma obra dela com todo o seu coração, percebe a beleza que existe por trás de cada frase.

      Até mais.

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  3. Como não gostar da Clarice? Rainha. <3
    whoosthatgirrl.blogspot.com

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    1. Mesmo com jeito confuso e tudo, ela sempre se superava. ♥

      Até mais.

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  4. Jamais considerei a possibilidade de me deparar com anjo tendo asas partidas.
    Cadinho RoCo

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    1. Chega a ser melancólico. Me entristeci quando li, rs.

      Até mais.

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  5. Oi, Juliana! Tudo bem?
    Nunca li nada dessa autora :(
    Tds falam tao bem. Ainda n tive a oportunidade!
    Beijos
    mundoemcartas.blogspot.com.br

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    1. Olá, Markus!

      Leia assim que possível. Ou comece procurando contos/ poesias em prosa da autora pela internet. Espero que goste.

      Até mais.

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  6. Oi Juliana,
    Digo que gosto do que Clarice escreve, mas até então nunca li nenhum livro.
    Esse texto é sensacional!
    Beijos, Tão doce e tão amarga.

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    1. Olá, Thamiris!

      Ela escrevia muito bem. Procure por contos dela, são muito bons.

      Até mais.

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  7. Olá, Juliana.
    Ainda não li nada completo da Lispector, mas pretendo. A intensidade presente em suas palavras, sempre me chocam e emocionam.
    Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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    1. Olá, Renato!

      Leia sim, ela possuía uma intensidade arrebatadora.

      Até mais.

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  8. Oiii, tudo bem??? Nunca li um livro sequer da Clarisse, mas um está para chegar, hehehhe
    Espero gostar, por que apesar de achar bonita a forma como ela escreve, eu não tenho muita paciência, hehehhe, mas darei uma chance para conhecer sim. O livro que está chegando é A Hora da Verdade. Você já leu?
    Beijooos
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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    1. Oiie!

      Ainda não li esse =/
      Mas vai entrar pra lista! haha. Vou ficar de olho no seu blog pra ver se vai sair alguma resenha sobre ele, hehe.

      Até mais.

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  9. Boa noite, princesa. Faltou somente separar o texto em versos como a autora fez, fica mais bonito e é um ato de respeito à imaginação criativa do autor. Bjo

    A mágoa,

    Os telhados sujos a sobrevoar
    Arrastas no vôo a asa partida
    Acima da igreja as ondas do sino
    Te rejeitam ofegante na areia
    O abraço não podes mais suportar
    Amor estreita asa doente
    Sais gritando pelos ares em horror
    Sangue escoa pelos chaminés.
    Foge foge para o espanto da solidão
    Pousa na rocha
    Estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou,
    Tua asa mais inocente foi atingida
    Mas a Cidade te fascina.
    Insiste lúgubre em brancura
    Carregando o que se tornou mais precioso.
    Voas sobre os tetos em ronda de urubu
    Asa pesa pálida na noite descida
    Em pálido pavor
    Sobrevoas persistente a Cidade Fortificada escurecida
    Capela ponte cemitério loja fechada
    Parque morto floresta adormecida,
    Folha de jornal voa em rua esquecida.
    Que silêncio na torre quadrada.
    Espreitas a fortaleza inalcançada.
    Não desças
    Não finjas que não doi mais
    Inútil negar asa partida.
    Arcanjo abatido, não tens onde pousar.
    Foge, assombro, inda é tempo,
    Desdobra em esforço a sua medida
    Mergulha tua asa no ar.

    Publicado no Diário de São Paulo em 5/1/1947.
    Foi mantida a grafia original.

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