|RESENHA| Dias Perfeitos - Raphael Montes

Conheci o Raphael no começo do ano passado, quando uma amiga me indicou seu livro, Suicidas. Clique para conferir a resenha. Devorei o livro em poucos dias e passei uma semana refletindo sobre a genialidade do autor em como amarrar uma trama, prender o fôlego de seus leitores, e dosar na medida certa, a ficção com a realidade. 

Dias Perfeitos é o segundo livro do autor, com uma trama em clima diferente de Suicidas, mas em suma, um thriller policial de leitura fácil, envolvente, e que nos prende de forma tão sutil que quando você menos percebe, está tão algemado ao livro, quanto a Clarice esteve algemada à cama do hotel. 

Téo é um estudante de Medicina certinho e centrado em seu mundo privado. Estudioso, inteligente, tímido. Daquele tipo que não trocaria uma intensa noite de estudos para sair com uma garota. Ele não possui afeição por quase ninguém. Nem por sua mãe cadeirante, que é seu fardo; nem por seu cachorro Sansão. Mas ele mantém um vínculo forte com Gertrudes, que poderia ser de fato sua melhor amiga, se ela não fosse o cadáver que ele disseca nas aulas de Anatomia. 

Pausa para comentário pessoal: o que esperar de um cara cuja melhor amiga é um cadáver? Pois é! 

Clarice é seu oposto. Livre, espontânea, ousada, solta. Uma roteirista com vícios de bebida e cigarro, estudante de História da Arte na UERJ. Diz o que pensa e faz aquilo que lhe dá vontade, não aparentando ter peso de culpa sobre isso. Exceto pelo fato de que ela possui muitas questões não bem resolvidas com sua mãe, o que pode ter culminado em tanta "rebeldia". Talvez, uma forma de chamar atenção. Pelo menos foi essa a impressão que passou.  

Os dois se conhecem em um churrasco, conversam por um tempo, e antes que Téo pudesse ir embora, Clarice o beija. E isso foi o suficiente para desencadear toda a obsessão que o rapaz criaria por ela. 

Ele descobre o número de seu telefone (aliás, gostei do truque utilizado), e investiga a faculdade onde ela estuda, qual curso e período. Ele a persegue por um dia todo, e no final da noite, aparece - enquanto a moça estava bêbada e desorientada - a levando para sua casa. Téo volta outro dia para verificar se Clarice está realmente bem, compra para ela um livro da Clarice Lispector (pois a moça afirmou nunca ter lido nada sobre a escritora). Ela fica chateada com a perseguição de Téo, e pede para que ele desapareça de sua vida, inibindo qualquer possibilidade deles terem algo. 

Eis que então, Téo tomado pela raiva, bate em Clarice com o livro da Lispector, que de imediato desmaia. Ele a coloca em uma mala que estava vazia (ela iria viajar para Teresópolis), e a tira dali, levando-a até seu apartamento. 

A partir daí, eles começam uma viagem pelo roteiro de Dias Perfeitos (que Clarice está escrevendo), com a moça viajando dentro da mala e algemada, contra a sua vontade e acompanhada pelo moço psicopata obsessivo.  

Opinião pessoal: A trama foi bem desenvolvida, bem escrita, com dois personagens fortes e de personalidades marcantes. Algumas cenas foram intensamente angustiantes e revoltantes. Sabe quando você lê um livro e é tomado por uma vontade enorme de entrar na narrativa e dar uns tapas na cara do personagem principal? 

Nesse caso, ele merecia muito mais do que isso. Na realidade, sendo bem sincera, quis que a Clarice se vingasse contra ele cortando sua parte íntima fora. Sim, eu esperava que ela fizesse algo do tipo, o que seria o mínimo diante das atrocidades que ele cometeu. E o pior, é que na mente do Téo tudo o que ele fez foi em nome do amor que nutria pela Clarice, e que ela é quem não estava colaborando com ele. 

Achei perturbador, pelo fato de que os pensamentos e sentimentos do psicopata são levados em relevância. Para Téo, a Clarice é quem está sendo a ruim, pouco confiável, birrenta e pouco maleável diante de tanto esforço que eles estava fazendo para "conquistá-la". 

Ele se demonstra um assassino, mentiroso, manipulador, extremamente psicopata, mas em sua mente, ele está sendo um bom moço fazendo o que pode para conquistar a mulher que ama. Bizarro! 

Fiquei revoltada com tudo o que ele fez para ela, principalmente depois da pequena "cirurgia" que ele faz na moça. Para quem leu o livro, sabe do que estou falando. E aquela foi a cena mais perturbadora de todas, onde eu senti uma real compaixão pela pobre Clarice. 

O livro possui um ambiente sombrio e claustrofóbico, então, pode ser que em algumas cenas, você se sinta sufocado pela situação. Li muitas resenhas de pessoas que sentiram incômodo ao lerem o livro, então, se você é muito sensível, tome cuidado ao ter esse livro em mãos. Ou qualquer outro do Raphael! rs. 

Embora eu ache Suicidas bem mais pesado (já faz mais de um ano que li, e até hoje não tiro a cena de necrofilia da mente), gostei mais do livro de estreia do autor. 

O final não foi nada previsível, mas achei os últimos capítulos um tanto "corridos" na explicação. Se passaram rápido demais na minha opinião, mas entendo o autor. Se tivesse estendido muito a narrativa final, ficaria maçante e até mesmo fora do desfecho.

Pontos positivos: referências à contos de fadas (Eles se hospedam no Hotel Fazenda Lago dos Anões, ficam no Chalé Soneca, passam uma noite no Motel das Maravilhas, vão para a Praia do Nunca), um “rascunho” do roteiro escrito pela Clarice, personagens convincentes com inúmeros defeitos, livro bem abrasileirado, e referências à Suicidas.

Pontos negativos: Falta de punição para o personagem principal. Deveria ter sofrido bem mais. 

No geral, o livro é bem escrito, e não tenho dúvidas de que Raphael Montes é um dos jovens brasileiros mais promissores na literatura, que vem ganhando um espaço incrível na literatura mundial. Dias Perfeitos já está em venda em diversos países, e os direitos do livro foram comprados para a adaptação cinematográfica. 

No aguardo de O Vilarejo, próximo livro do autor que já está em pré-venda.